Marcelo Ferla

Quando o Flávio me chama num canto, normalmente é pra contar alguma boa história de bastidores.

Quando a Mari Moraga me chama, normalmente é pra destacar algo técnico das filmagens.

Quando a Aletéia me chama, normalmente é pra comentar sobre os textos que estou escrevendo, estes mesmos que você está lendo.

O Rodrigo Graciosa me chamou pra dizer que temos um amigo em comum, o Bruno, e a propósito, eu achava que a Elissa era irmã de uma amiga minha. Não era.

Naquele sábado, porém, na hora em que todos do set estavam saindo para jantar, inclusive eu, o Zé Pedro veio em minha direção com um ar preocupado. Inquieto, ativo, ele lida com o ato de dirigir no limite da obsessão – e às vezes até ultra­passa esse limite –, explica o tempo todo o que está fazendo e o que está buscando, e trata de criar estímulos para si e para os outros com desafios e provocações. Dirigir só não basta, é preciso “convencer” a equi­pe da validade de cada ideia.

Cheguei a pensar que ele ia falar a respeito das mazelas do Grêmio – futebol é sempre uma boa maneira de sair um pouco da pressão, ao menos daquele tipo de pressão –, mas ele disparou em tom melancólico:

– O diretor de cinema é um dos caras mais sem graça que existe.

Será que é? Esqueci a fome e liguei o gravador:

– O diretor de cinema tem que ser criativo e careta ao mesmo tempo, ele não pode se arriscar. Ele tem que organizar um set com 200 pessoas. Se ele fica muito criativo, não vai pra lugar nenhum! Vários artistas importantes da história, como músicos e artistas plásticos, têm uma vida maluca e transferem essa maluquice para a sua arte, o seu trabalho. Muitos deles usam drogas pesadas enquanto trabalham. Mas imagina um diretor bêbado no set! Eu tenho um plano de filmagem, um mapa, tenho que fazer tudo dar certo. O diretor é um empresário, o cara que organiza, calcula o orçamento, pensa no antes e no depois. Sendo assim, eu penso que um cineasta é um malabarista com camisa de força. Porque a inspiração artística é uma espécie de malabarismo: tu jogas as coisas pra cima e tenta obter algo harmônico, em movimento. E um cineasta tem que fazer isso. Usando camisa de força.