Marcelo Ferla

Will Eisner escreveu O Edifício em 1987. Metáfora sobre a vida, a graphic novel mudou para sempre a história das histórias em quadrinhos e pavimentou

caminhos para outros gênios como Frank Miller e Alan Moore. Seu cenário é Nova York porque aquele era o quintal de Eisner, que nasceu no Brooklyn. Mas poderia ser a São Paulo do Copan, o Rio de Janeiro da Lapa ou a Porto Alegre dos imensos depósitos da Voluntários da Pátria, dos belos e pouco valorizados prédios transversais que remetem ao Flatiron, na Farrapos, dos paralelepípedos desnivelados da Almirante Tamandaré.

Em metrópoles como a Nova York de Eisner, regiões semelhantes as que são rodadas as externas noturnas de Ponto Zero foram transformados nos lares de artistas que buscavam espaço ilimitado, alugueis baratos e inspiração em cenários decadentes, mas com personalidade. Foi assim no SoHo, em Manhattan, e mais recentemente em Williamsburg, microrregião do próprio Brooklyn.

Por mais que sejam armazéns ou indústrias semi-abandonadas, eles paradoxalmente oferecem um belo retrato urbano, sobretudo à noite, talvez porque mantenham a alma (e/ou as almas) que Will Eisner aborda em O Edifício. Se isso parece papo de literatura barata, eu passo a palavra para o Sargento Sandro, da Brigada Militar de Porto Alegre, responsável pela segurança de uma das diárias noturnas, no Quarto Distrito.

– Essa é a região mais conturbada da cidade, por isso a chamamos de “a cozinha do inferno”. Aqui tem roubo, furto, meretrício, tráfico, sequestro relâmpago. Mas pra quem gosta de trabalhar à noite é uma maravilha, porque é aqui que a gente conhece o ser humano de verdade.